STJ e
especialistas discutem questão dos juros em financiamentos habitacionais
- 29/02/2016 22h20
- Brasília
Pedro
Peduzzi – Repórter da Agência Brasil
Os efeitos maléficos dos altos
juros cobrados pelas instituições financeiras brasileiras se retroalimentam –
situação que, no entender de alguns especialistas, pode resultar em uma prática
ilegal, segundo a Lei de Usura: juros sobre juros, termo que também é conhecido
por capitalização de juros. Diante dessa situação, o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) fez hoje (29) uma audiência para subsidiar os ministros da corte
sobre a definição do conceito e sua aplicação em situações como as de
financiamentos habitacionais, de veículos e estudantil.
Os juros cobrados no Brasil estão
entre os mais altos do mundo. Especialistas afirmam que a situação se
retroalimenta da seguinte maneira: quanto maiores os juros, maior é o efeito
nas parcelas de empréstimos e financiamentos; quanto maior for a parcela a ser
paga, maior a necessidade de ampliar o prazo para quitação da dívida; e quanto
maior o prazo para quitação da dívida, maiores são os valores dos juros a ser
pagos. Além disso, o atraso de uma prestação implica mais juros.
O STJ quer saber se práticas como
essas, em que os juros acabam crescendo em progressões geométricas, configuram
uma cobrança de juros sobre juros, e em que situações isso configura uma
ilegalidade. Ao definir isso, terá uma base a ser adotada nos futuros
julgamentos.
Alerta aos consumidores
“No Brasil, 70% dos consumidores
não sabem quanto pagam de juros, e as instituições financeiras não fazem o
menor esforço para dar esse tipo de esclarecimento”, disse à Agência Brasil
Andressa Jarletti, especialista em direito do consumidor e direito
bancário. Ela explicou que os altos valores de juros pagos se disfarçam em
parcelas de menor valor absoluto, mas em maior número e com maior percentual de
juros embutidos. “Antes de tudo, as pessoas precisam entender que parcelas
baixas são armadilhas para pagar maiores valores de juros.”
“Combinar alta taxa de juros com
menores valores de parcelas resulta em um impacto muito grande para o
consumidor. Portanto, a grande dica é guiar-se pelo saldo total a ser pago, e
não pelo valor da parcela”, completou a advogada.
Tabela Price
Na busca de parcelas mais baixas,
uma das tabelas mais aplicadas é a Price, também conhecida por sistema francês
de amortização. Trata-se de um método usado em amortização de empréstimo cuja
principal característica é apresentar prestações (ou parcelas) iguais. Na
Price, calculam-se todos os juros a serem pagos, e o valor final é dividido em
parcelas iguais.
Entre os pontos mais polêmicos na
discussão do Supremo Tribunal Federal (STF) está o relativo à prática do
“anatocismo”, que ocorre quando os juros vencidos passam a ser incorporados ao
capital para, nos cálculos posteriores, serem usados como base para mais
encargos moratórios. Em outras palavras, suspeita-se que, em casos como esse,
estejam sendo aplicados juros sobre juros.
“A Tabela Price implica, sim, capitalização
de juros porque, nela, os juros crescem em progressão geométrica. Quanto maior
o número de parcelas, maior a aplicação de juros. Mais importante do que o nome
que se dá ao cálculo, são os efeitos causados. No caso, além da progressão
geométrica dos juros, há um baixo potencial de amortização”, argumentou
Andressa.
Autor do livro Juros, Taxas e
Capitalização Juros Taxas e Capitalização - Uma Visão Jurídica (Editora
Saraiva/2008), André Zanetti concorda com Andressa e diz que a Price capitaliza
juros. “Tanto é que a ela foi dado o nome inicial de Tabela de Juros Compostos,
por [seu criador] Richard Price. Não consigo visualizar como cobrar juros
compostos e não capitalizar juros, e não consigo visualizar Price sem juros
compostos. [A Tabela] Price cobra muito mais juros. E a cada momento que pago
os juros, deixo de amortizar, na mesma proporção, o capital. Portanto a
essência da Price é capitalizar juros”, disse Zanetti.
Limite para juros
Zanetti criticou também o fato de
o Brasil ser “um dos únicos países onde não há limite para a aplicação de
juros”, o que, segundo ele, é bastante danoso para os mutuários. “Na Suíça, por
exemplo, o limite de juros é 6% ao ano. Não dá para comparar. Nos países
capitalistas onde ocorre capitalização de juros, há, todavia, limitação de
taxas. Isso não existe no Brasil”, disse ele, ao fazer uma associação da Tabela
Price às altas taxas de juros cobrados no Brasil.
Representando a Caixa Econômica
Federal, Teotônio Costa buscou apresentar situações onde se pratica juros sobre
juros no Brasil, sem que haja questionamentos pela prática de juros compostos.
“É o caso da poupança. Imagina que o cliente deposite R$ 100 mil e, com a
remuneração, chegue no mês seguinte a R$ 101 mil. Se ele não sacar os juros,
receberá juros sobre juros”, argumentou.
Para o procurador-geral do Banco
Central (BC), Erasto Villa-Verde, capitalização de juros “não é inerente” à
aplicação da Tabela Price. Além disso, disse ele, “para o BC, capitalização de
juros difere de juros compostos”, uma vez que, no próprio sistema jurídico, já
haveria identidades diferentes entre os termos capitalização de juros,
anatocismo e juros compostos.
Sobre os altos juros cobrados no
Brasil, Villa-Verde usou como justificativa o ambiente de risco. “Quanto maior
o risco nas operações de crédito, maior os juros cobrados.”
Solução capitalista
Na avaliação do ministro do STJ
Napoleão Nunes Maia Filho, o tribunal precisa analisar a questão sob um ponto
de vista “dentro do sistema capitalista”, que é a “matriz geradora de todos esses
problemas”.
“Não poderemos produzir uma
solução fora do sistema. A economia é não instável, e o sistema capitalista é
de oscilação. [Nesse contexto] o tomador [do financiamento ou do empréstimo]
precisa submeter-se ao custo da operação”, disse. “Portanto, parece-me
intuitivo e espontâneo que quem empresta seja remunerado. Isso é o que
possibilita [a classes menos favorecidas] comprar. De outra forma, quem não tem
dinheiro ficaria fora do acesso aos bens de consumo. Faz, portanto, parte do
sistema a expectativa de aquisição das coisas, por quem não tem dinheiro.”
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