Povos de
matriz africana reivindicam políticas de proteção a terreiros
Publicado
em 31/05/2018 - 08:30
Por Débora
Brito – Repórter da Agência Brasil Brasília
Pelo direito à fé e à diversidade
religiosa, representantes de povos de matriz africana reivindicam políticas de
proteção e segurança dos terreiros e garantias de manutenção das práticas
tradicionais.
Lideranças religiosas de vários
estados participaram da 4ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(Conapir) entoando cantos, relatando casos de violações de direitos e
levantando propostas de combate ao preconceito e à intolerância.
“A gente está vendo terreiros e
os símbolos do candomblé, das religiões de matriz africana, sendo destruídos
por fundamentalistas das mais variadas tendências religiosas. E a gente precisa
que esses fundamentalistas comecem a respeitar mais a fé alheia, porque você
tem direito a sua fé, tem direito até de não professar nenhuma fé”, disse
Erivaldo Oliveira, presidente da Fundação Cultural Palmares.
Segundo Oliveira, a fundação
recebeu, desde 2015, cerca de 100 denúncias de violações contra terreiros em
todo o país. O especialista em políticas públicas acredita que o número pode
ser ainda maior.
“Isso tudo é fruto de um racismo,
de um preconceito exacerbado no Brasil e também da falta de conhecimento,
porque as pessoas do Brasil não se acostumaram com a cultura afro-brasileira e
não entendem o que é um terreiro, a umbanda e o candomblé”, declarou.
Mãe Tuca participa da 4ª Conferência Nacional de
Promoção da Igualdade Racial (Conapir), no Centro Internacional de Convenções
do Brasil. - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Uma das propostas levantadas
durante a conferência foi o fortalecimento da Lei 10.639, que obriga as escolas
a incluírem no conteúdo programático o ensino da história da África e da
cultura afro-brasileira.
“Quando você implementa a [Lei]
10.639, você está fazendo um trabalho com uma criança para que ela se torne um
adulto que vai respeitar, ela não vai ser um adulto intolerante”, defendeu a
mãe de santo Tuca D´Osoguiã, integrante do Conselho Nacional de Promoção da
Igualdade Racial (CNPIR).
Mãe Tuca afirmou que uma das
prioridades eleitas durante a conferência é lutar pelo arquivamento da ação que
tramita no Supremo Tribunal Federal contra o sacrifício de animais para fins
religiosos. Os praticantes da fé de matriz africana querem manter as práticas
de abate de animais destinados à alimentação nos cultos dos terreiros. “Se esta
ação passar no STF, pode virar uma jurisprudência e isso acaba com nossa
cultura e com a segurança alimentar do nosso povo”, disse Mãe Tuca.
Transformação
Na madrugada do dia 27 de
novembro de 2015, Adna Santos, conhecida como Mãe Baiana de Oyá, acordou com
o terreiro em que morava em chamas. Em meio a uma onda de atentados
que ocorreram contra terreiros de candomblé no entorno do Distrito Federal
naquele ano, o espaço do terreiro Ylê Axé Oyá Bagan foi incendiado, deixando
vários santos e instrumentos religiosos completamente destruídos.
Mãe Baiana teve o terreiro incendiado, mas
transformou o episódio em oportunidade de lutar contra o racismo - Débora
Brito/Repórter da Agência Brasil
Ninguém que dormia na casa ficou
ferido. O caso se tornou uma das histórias mais emblemáticas de intolerância
religiosa do país e mobilizou a atenção de órgãos da Justiça e de defesa dos
direitos humanos. Segundo a Polícia Civil do DF, o incêndio foi motivado por um curto
circuito.
Três anos depois, o incidente é
lembrado por Mãe Baiana em autobiografia lançada ontem (30) na 4ª Conferência
Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir). Ao narrar sua história de
vida e como se tornou uma das principais referências na luta pela igualdade,
Mãe Baiana quer mostrar que é possível transformar uma experiência dolorosa de
preconceito em oportunidade de luta e superação.
“Espero que as pessoas, ao lerem
esse livro, se sintam fortes, achem fortaleza nas palavras para que em momentos
difíceis da vida saibam segurar, botar o pé firme no chão, olhar para cima e se
reerguer”, declara.
No livro Chão e Paz, Mãe
Baiana fala de resistência, fé e ancestralidade. Com o terreiro já restaurado,
a ialorixá também faz um manifesto político-religioso para celebrar a paz entre
os povos e exaltar o fim das discriminações.
“A vida é cheia de surpresas boas
e ruins. Para mim, esse tempo atrás foi uma surpresa terrível, mas que no final
eu fiz com que ela não causasse tanta dor como causou naquele momento. O
terreiro nunca fechou. Mesmo nas cinzas a gente atendeu as pessoas que bateram
a nossa porta com fome, com sede, doente, procurando um ombro, mesmo em cima
das cinzas nós atendemos o nosso povo.”
Pontos de cultura e acolhimento
Os grupos de matriz africana e a Fundação Palmares
defendem a elaboração de projetos públicos de saúde e cultura que
possam ser desenvolvidos junto às comunidades próximas aos terreiros. A ideia é
transformar os terreiros em pontos de cultura e locais de referência para
acolhimento de pequenas demandas sociais.
“O terreiro abriga muita gente e
sempre tem uma comunidade ao seu redor. [Com os projetos], essas pessoas vão
começar a frequentar meu terreiro sem medo, sem preconceito. Não se combate
racismo, preconceito e intolerância com desconhecimento. A gente tem que
mostrar o que é uma religião de matriz africana para que as pessoas entendam de
uma vez por toda que ali não tem demônios, ali tem elementos maravilhosos da
natureza”, declarou Oliveira.
Mapeamento
A Fundação Cultural Palmares está
elaborando um mapeamento nacional para levantar o número e a localidade dos
terreiros de candomblé e outras manifestações da cultura afro-brasileira. A
iniciativa já foi implantada no Distrito Federal, que registrou a presença de
330 terreiros. Segundo a fundação, este número pode ser maior. Cerca de 60
líderes de terreiros não aceitaram ser recenseados por medo de represálias.
Conapir
Negros, ciganos, indígenas,
grupos de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transexuais (LGBT's) e
religiosos de matriz africana se reúnem na 4ª Conapir desde a última
segunda-feira (28). Os diferentes grupos étnicos e de minorias discutem junto a
especialistas, pesquisadores de várias áreas e gestores públicos estratégias de
enfrentamento ao racismo e outras formas de discriminação racial e étnica.
O evento terminou ontem (30)
com a divulgação de um documento com todas as propostas levantadas durante os
debates. A Conapir teve como tema “O Brasil na Década Internacional do
Afrodescendente”, com destaque para os temas de reconhecimento, justiça, desenvolvimento
e igualdade de direitos. O evento foi organizado pelo Ministério dos Direitos
Humanos, por meio da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (Seppir) e do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade
Racial (CNPIR).
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Edição: Lílian
Beraldo
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